sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Questão de Gosto 2: Preconceito?

The Dark Knight é realmente tudo que andaram dizendo. (É, só vi nesta semana.) Minha parte favorita é que o roteiro não presume que você seja um idiota, uma grata surpresa que está virando regras nas adaptações de quadrinhos. E é um alívio ver essa abordagem em um filme do Batman, que muita gente teima em entender como personagem infantil. Metade das sessões de cinema das redondezas com a versão dublada... pára! Que criança assiste duas horas e meia de um história tão sombria? Também não entendi a escolha do trailer que passou antes, de um filme brasileiro que não lembro o nome. (Algo envolvendo um amor impossível entre uma menina rica e um guri da favela. Originalidade garantida.) Mas o que realmente me deixou pensando no meio disso tudo foi uma frase que meu amigo soltou em reação ao trailer.

Esse amigo funciona assim: é difícil não gostar dele, você precisa se esforçar. Qualquer pessoa que o conheça por mais de duas semanas percebe que ele é sobrenaturalmente honesto em tudo que faz e diz. Sério, só vendo; duvido que vocês estejam imaginando direito. Eu automaticamente sorrio por dentro quando ele começa uma frase com "Olha, vou ser sincero com você..." porque não acredito que ele consiga não ser sincero. Até onde sei, ele tem milhares de amigos e sempre encontra um quando andamos mais de cinco minutos pelo bairro — ou seja: provavelmente vale a pena ser do jeito que ele é.

Enfim, ele disse o seguinte: "Olha, vou ser sincero com você... sou preconceituoso mesmo, não gosto de filme nacional." Já vinha pensando há um bom tempo sobre esse tipo de coisa, o que é preconceito e o que chamam de preconceito, e não gostar de uma coisa não pode ser preconceito. (Tudo bem que ele não tinha assistido ao filme e já estava decidido a não ver, já supondo que segue o formato padrão dos filmes nacionais. E provavelmente segue mesmo.) O ponto é que ele estava quase se desculpando por não gostar dos filmes nacionais que já havia assistido, e presumir que não gostará dos que virão. Mas acho que gostar e desgostar são as coisas mais honestas que as pessoas podem fazer, é o modo como você se expõe e mostra aos outros quem é.

Algo que estava pensando há muito mais tempo: o que realmente define quem você é? Muito já se gastou em papel e palavras para definir o que você não é.
Você não é o que você tem.
Bens materiais vem e vão, não melhoram nem pioram ninguém por si — até dizem bastante sobre o dono atual, mas nem sempre o que ele espera que digam.
Você não é o que você faz.
Uma profissão é um adestramento, é enfiar uma pessoa por um daqueles brinquedos com um buraco quadrado, um redondo e um triangular — trate de se contorcer para passar por um deles. Dado estatístico recém-inventado: 9 a cada 10 pessoas são menos do que poderiam ser porque estão muito preocupadas em fazer o que lhes dizem que deveriam fazer.
Você não é o que você pensa.
Ou o que você pensa que pensa. Você é um animal, tem instintos, reações condicionadas. Pare e preste atenção em quantas coisas você faz automaticamente. Ou você pensa e analisa TUDO que faz durante o dia? Duvido que o sistema educacional, as propagandas e o jornalismo te dêem essa chance. E provavelmente já saiu do berço com religião, partido político e time de futebol escolhidos pelos pais. Você pode mudar o que pensa, essa é a parte boa; mas desculpe, não há como começar do zero, repensar tudo imparcialmente, definir um código moral todinho seu. Aceite que alguns dos seus pensamentos não são seus, porque não são eles que te definem.

Não concorda? Prefiro assim, a viagem só precisa fazer sentido para mim. Naturalmente, não cheguei a nada conclusivo, mas acho que a resposta está naquela parte animal, instintiva, que o adestramento não consegue alcançar. É uma afirmação bastante estranha, porque o instinto é o que faz com que um cachorro se comporte como todos os demais cachorros (balançando o rabo, levantando a perna, andando em círculos). Impedindo que você pense. Reação automática, mas emocional: gosto ou não gosto. Claro que gosto pode ser condicionado pela cultura. Você provavelmente não gosta de comer cachorros, mas eles são apreciados em várias partes do mundo. Nada impede que um chinês ou coreano não goste de comer cachorros também. Isso (e todos os outros gostos e desgostos) os tornam indivíduos. Há gente comendo gente em todo lugar, e o canibalismo não é lá tão aceito culturalmente, muito menos incentivado.

[Que exemplo terrível. Melhor parar de falar de comida.]

O que estou tentando dizer é que aquilo que gostamos ou não é o que nos diferencia, nos determina, mesmo que não possamos escolher essas coisas diretamente. Aliás, justamente porque não podemos escolher. Se as pessoas pudessem controlar com tanta facilidade quem elas são, provavelmente não teríamos tantos problemas no mundo. E provavelmente não teríamos tantos indivíduos, pois seria muito mais cômodo escolher ser igual a todo mundo. Se não fosse o gostar ou não gostar, o que levaria alguém a se levantar contra as regras?

2 comentários:

Nine disse...

Ufabem que voce tb nao acha que Batman é para as crianças.As pessoas que eu conheço ,principalmente da minha faixa etaria,sempre me dizem :nao sei o que voce acha legal nesses filmes "de crianças"...Batman,Wolverine sao totalmente "adultos" e soturnos.O filme do seu amigo sincero é o "Era Uma vez",como fabula sobre o Rio de janeiro ,o melhor foi a descriçao,essa bem realista,entre favela e povo do asfalto ,meninas ricas e vale a pena ver por esse lado.Ja "show de bola " é horrivel apesar de ter o mesmo bom ator que é o Tiago Martins.ab

Michel disse...

Esse último do Batman é especialmente tenso, nem segue a formulazinha de "filmes de herói". Arrisco até dizer que está entre o melhor que Hollywood pode fazer, independente do gênero.

Já os nacionais, confesso que não acompanho com muita empolgação. Gosto mais dos que não focam diretamente em pobreza ou criminalidade (exemplo: A Máquina). Tudo bem que o cinema nacional precisa se firmar com uma cara própria, mas fica parecendo que brasileiro só entende de favela e não tem mais nada para explorar nas histórias.