quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Fruto das conversas

Estava dia desses pensando em alguma coisa quando subitamente o assunto mudou para "mutantes". Não sei porquê, essas guinadas simplesmente acontecem. Os mutantes são a solução mágica para aqueles momentos em que você precisa explicar alguma parte inconsistente do enredo, mas não pode recorrer a vampiros – como se mutações fossem sempre coisas legais e extraordinárias1. Pois bem: vamos partir da hipótese de que você não é um fanático que vai espernear e parar de ler assim que Darwin for citado. (Aliás, a teoria da seleção natural nem é a minha favorita; estou apenas partindo da idéia mais aceita pelos cientistas.) Mutações seriam desvios relativamente pequenos em relação ao padrão de algum organismo – o que infelizmente exclui a habilidade de lançar lasers pelos olhos. Mutações que favoreçam a sobrevivência dos seus portadores seriam gradualmente inseridas numa população como o novo padrão, desde que sua origem fosse genética e transferível aos descendentes.

Gostaria de interromper para apresentar a minha teoria favorita da evolução das coisas: todas as espécies possíveis existiram simultaneamente em pelo menos algum porto da história. Incluindo girafas com pescoço ligeiramente mais curto, aquelas de pescoço médio e as infelizes que eram alvo de piada dos machos de pescoço longo. Fósseis das "etapas intermediárias", como aqueles cavalinhos pequenininhos, seriam apenas os restos normais de uma espécie normal que vivia na mesma época dos cavalos normais, e não antes destes e depois dos cavalos microscópicos. Os cavalinhos pequenininhos não conseguiram sobreviver como espécie porque uma pedra caiu na cabeça deles. Quase todas as espécies que não existem hoje deixaram de existir porque uma pedra caiu na cabeça delas. Incluindo os peixes. Com exceção da parte das pedras, minha teoria é perfeitamente razoável e não contraria diretamente nem as crenças religiosas nem as evidências paleontológicas, o que comprova que é a melhor teoria.

Obrigado. Continuando, o ponto-chave da evolução darwiniana é a reprodução, uma vez que a mutação se estabelece como nova norma através da substituição gradual dos membros da população padrão. Mutações que favoreçam a sobrevivência contribuiriam indiretamente para a reprodução, mas percebam: mutações que favoreçam a reprodução contribuiriam diretamente para... bom, para a reprodução. (O final da frase não foi uma grande surpresa.) Um mutante com características reprodutivas mais favoráveis que a média semearia sua mutação com mais facilidade que os outros mutantes. Parece seguro assumir que esses super-reprodutores constituiriam o novo padrão após o tempo médio que leva para uma mutação constituir padrão, sei lá quanto tempo é, e níveis ainda mais avançados de eficiência reprodutiva seriam alcançados com o aparecimento de novos super-reprodutores com características cada vez mais favoráveis. Resumindo: bichos bons em fazer sexo virariam a regra da espécie porque se reproduzem através do que fazem melhor. O objetivo final da evolução dos seres sexuados seria, portanto, criar máquinas de sexo. Olhando por esse ângulo, os seres humanos parecem estar no caminho certo. Não posso deixar de imaginar, porém, como seria se os humanos não se reproduzissem através do sexo e sim por outro meio como, digamos, conversas sobre o sentido da vida. O mundo estaria hoje repleto de seres muito capazes de conversar sobre o sentido da vida.

1 Não estou de forma alguma defendendo vampiros como coisas legais e extraordinárias. Muito pelo contrário. E o contrário de "legais" e "extraordinários" é "chatos" e "figurantes". O contrário de "legais" não é "piratas", porque os piratas são legais – assim como os ninja, os zumbis e os robôs.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Inflamável

Às vezes eu explodo, mas raramente. Pouca gente sabe, pouca gente viu. Passei todos os anos de faculdade sem nenhuma ocorrência, então quem me conhece dessa época não sabe. Ao menos, não viu. Nos tempos de escola técnica, era mais impulsivo, mais explosivo. Achei que isso estava indo embora, mas já não sei mais. E essa é a minha justificativa: eu sou assim.

Sentia-me ótimo na segunda-feira. O domingo foi preguiçoso; na noite de sexta, havia me divertido com amigos. (Não lembro do sábado, mas lembrar dois de três dias já é lucro.) Era uma segunda-feira de bom humor. Era uma segunda-feira depois de dois anos de aporrinhações, porém – não que isso faça parecer menos inadequado, agora. Dois anos de pessoas cobrando de mim o que elas mesmas deveriam estar fazendo, dois anos me sentindo metade bode espiatório, metade soldado desconhecido. Dois anos sendo o único que nunca tinha tempo livre para bater papo – ou descansar os braços, talvez? Dois anos em que metade das pessoas me procuraram querendo soluções ou respostas que não me cabiam, e tendo que me entender com a outra metade sempre que cedia à primeira. Olhando o cenário geral, não era uma segunda-feira tão boa, afinal. Essa é mais ou menos a minha desculpa.

Lá estava eu, quietinho. Não calado, engraçadinho até; estava de bom humor. Vieram me pedir uma solução. Coisas precisavam ser feitas, e alguém tinha que dar o primeiro empurrãozinho. "Não eu, você sabe a quem cabe isso." Mas a pessoa não estava lá. Que mal faria se eu decidisse por ela? "Eu não tenho autoridade, não tenho autonomia para isso." Não era grande coisa, só era necessário dar uma resposta. "Não posso, não sei! Você sabe a quem perguntar!" Mas a pessoa não estava lá. "PORRA, façam! Façam essa merda, façam o que quiserem! Eu não ligo! Mas paguem do seu dinheiro se der errado, lasquem os ouvidos vocês, depois! Por que me envolver nisso? Não sou gerente, não sou supervisor, eu sou a porra de um empregado low-level; se o gerente não sabe o que fazer, não sou eu quem vai saber!"

Em minha defesa, tive a delicadeza de explodir em tom moderado, para não alarmar os clientes na reunião ao lado. Ainda assim, alarmei o interlocutor; ficou sem muita reação, depois disse que eu estava louco. Eu sou louco, todo eles são. Só porque nunca havia explodido, não deveriam supor que nunca aconteceria. E explodiria de novo se fosse preciso, pois dois minutos depois meu humor estava renovado. Acho que é o único comportamento errático que me permito: descarregar a pressão interna nos outros e depois agir como se nada tivesse ocorrido. Eu gosto de explodir, e justamente por isso venho me policiando há anos. É como um vício que você tenta domar.

Dei-me conta de que havia agido de modo descabido quando reencontrei essa pessoa pouco depois. É justamente meu melhor amigo lá dentro, um dos que estiveram comigo na sexta-feira anterior. Não me olhava nos olhos; quando muito, olhava vagamente na minha direção. E eu não sou o tipo de pessoa que intimida olhares alheios, sou sempre o primeiro a evitar o contato. E ele é justamente o tipo de pessoa que intimida e vasculha a sua alma até você ceder, mas claramente não fazia idéia do que estava acontecendo agora. Não sei se ele estava envergonhado ou furioso ou magoado; não sei vasculhar almas.

Pedi-lhe desculpas depois, mas sou realmente terrível para me desculpar. Não gosto, não sei; causa-me agonia pensar no que dizer. Não por orgulho, simplesmente não sei medir essas coisas. Não consigo perceber se estou exagerando ou se estou subestimando os sentimentos dos outros. Acabo sempre agindo como se tivesse cometido um erro mortal – e como se pede desculpas por isso? Fui adestrado para não errar, e principalmente para não errar de forma tão grosseira.

Ninguém pode ser tão incapaz? Pois comecei assim: "Não vou te pedir desculpas pelas coisas que disse, mas você não merece que eu fale do jeito que falei." Digam-me, que desgraça foi essa? No lugar dele, eu teria devolvido um soco; ele foi educado o bastante para fingir que o pedido era suficiente. Eu queria realmente dizer tudo o que havia dito antes, e vou recusar exploração daqui em diante, mas eu disse para a pessoa errada. Ele não é o problema, é justamente uma das pessoas que tornam o lugar suportável. Eu estava fazendo várias coisas que não se faz a um amigo; pelo resto do dia, era eu quem não conseguia olhar diretamente. Estou cada vez mais convencido que não sei lidar com mais de uma pessoa de cada vez, correndo o risco de misturar as coisas.

Hoje ele estava agindo como se nada tivesse acontecido. Eu deveria tentar me explicar, mas não sei como. Vou acabar fingindo que nada aconteceu e que tudo se resolveu sozinho. Justamente o que odeio que façam comigo; as coisas nunca se resolvem sozinhas.

domingo, 12 de agosto de 2007

Same old shit, new crappy suit

Estava lendo um artigo sobre álbuns conceituais e, a certa altura, o Scorpions foi citado com seu lançamento de 2007, Humanity - Hour I. Scorpions? Ainda existe? Digo: eles insistem nisso? Enfim, é domingo, ainda estou de pijamas, não é exatamente o ponto mais produtivo da semana; segui o link para ouvir amostras das novas músicas.

Para quem não lembra do Scorpions, eles são aquela banda cuja maior contribuição para a música foi ficar ao redor do Michael Schenker. Eles também são conhecidos por ter como vocalista um alemão fanho como uma foca. Finalmente, o Scorpions serviu de inspiração para o nascimento de inúmeras entidades voltadas à realização de eventos, como a Scorpions Eventos (destaque para a linda apresentação do website, especialmente o nome espelhado dentro do escorpião) e a Banda Scorpions (porque adicionar "Banda" ao nome é modo mais inteligente de evitar um processo judicial – não que a prioridade dos artistas europeus em geral seja processar bandas de baile de Araranguá/SC).

Se você estiver disposto a baixar Humanity - Hour I para analisar com cuidado o atual estado de evolução do Scorpions, o problema é seu. Eu me limitei a ouvir as amostras do site e já foi muito. Em minha avaliação de 7 minutos, pude constatar que (1) Klaus Meine está menos fanho, o que é o mínimo que ele poderia fazer e (2) eles não têm o menor escrúpulo em tentar explorar o filão do "rock moderno", incluindo bases de metal e um leve toque de canguru music. Alguém por favor ouça a faixa 321 e me diga que é uma música do Scorpions, e não uma tentativa de emplacar nas mesmas rádios que o Three Days Grace. O que é deprimente (para eles; eu não ligo a mínima), porque eles certamente não vão conseguir. É o mesmo caso do Metallica querendo ganhar dinheiro com nu metal, sendo que existem milhares de bandas mais novas (entenda-se: com mais fôlego e mais contato com o público predominantemente teen), mais honestas* e menos chatas.

Diretamente da página com as amostras, podemos extrair a seguinte pérola (tradução livre):

"[Os membros do] SCORPIONS, a mais bem-sucedida [*cof* defina 'sucesso'] exportação musical alemã, estão posicionados para 'picar' mais uma vez e planejam um ataque frontal na artéria musical [como é que é?] de fãs de rock ao redor do globo com seu novo álbum, HUMANITY - HOUR I. 35 anos depois do lançamento de seu álbum de estréia, LONESOME CROW, [Os membros do] SCORPIONS acreditam que tenham atingido um novo pico criativo [*cof-cof-cof*, aah!, morte] em sua impressionante [*cof*] carreira."

Quero crer que isso foi escrito pelo estagiário e que a banda nem chegou a ler o texto do website. (Segundo a lenda, não seria a primeira vez que estariam boiando em algum assunto menor relacionado à banda.)

Buscando no Google mais informações para esculachar o Scorpions de forma consistente, encontrei um tal álbum Unbreakable (2004) que já seguia a mesma linha musical de engordar a aposentadoria fazendo o mesmo que todo mundo está fazendo na MTV. Aparentemente, fez sucesso com os fãs da fase clássica, sob o argumento de ser melhor que o lixo produzido nos anos anteriores [citation needed].

* Pois está claro que o Metallica não é uma banda de honest metal.