domingo, 29 de julho de 2007

Reino do Prejuízo

Alguém nos vende Brinquedos™ em um desenho animado fajuto
Alguém nos vende Carros™ no último filme de James Bond™, em breve nos cinemas
Alguém nos vende Modas™ através de uma estrela de TV
Alguém nos vende a Si Mesmo™ em um reality show que passa dos limites

Vida™ à venda!

Alguém poderia por favor me explicar o que aconteceu? Digo, primeiro pagamos por fast-food que nos deixa gordos e cansados. Depois pagamos por elevadores, para que não precisemos subir os três lances de escada até nossos apartamentos. Aí compramos essas bizarras máquinas Stairmaster™ para queimar calorias enquanto assistimos alguém fazendo comida de verdade na TV. Se isso tudo não faz de nós vencedores, não sei o que fará. Aposto que nos enforcaríamos se o mundo nos desse uma folga. E agora você acha que talvez deva ver um psiquiatra que o faça sentir-se vivo de novo – bom plano! Basta dizer a quem temos que pagar.

[...]

Bem-vindo ao planeta Terra™
Por favor, não nos pergunte quanto ele vale
Você perceberá que o mundo que encontrou
Está ligeiramente usado
Alguém nos vendeu cada uma das manchas
Se você quiser reclamar
Há uma espaço aberto às 18h
É quando o Cáucaso está ouvindo

[...]

Perceba, tudo não passa de uma questão de tempo e escolha. A fast-food nos permite um almoço rápido o bastante para ser espremido exatamente no tempo que quisermos. Os elevadores economizam um pouco mais de tempo, a Stairmaster™ permite escolher exatamente quando subir escadas. Tempo é algo muito importante atualmente, está se tornando uma doença. Acho que, de certa forma, é mesmo, já que vai nos matar ocasionalmente. Com todo o tempo e dinheiro que acumulamos aos custo dos outros, é de se supor que a entrada para o Inferno seja realmente cara. Por algum motivo, é importante ser o primeiro da fila.

Alguém nos vende Deus™, promoção leve-2-pague-1 com Culpa™
Alguém nos vende Guerra™ e o marketing parece ser o mesmo
Alguém nos vende Medo™ na TV todos os dias
Um formato para cada gosto; se o sabor for o certo, pagamos alegremente

Tudo à venda, tudo à venda, estamos todos à venda

Bem-vindo à única Terra™
Por favor, aproveite seu único nascimento
Você aprenderá a tomar mais do que doa
Comprando cicatrizes com as quais terá que viver
Alguém nos vendeu cada cicatriz
De alguma forma, elas fazem de nós o que somos
Todos queremos aquele espaço às 18h
Mas ninguém está realmente ouvindo

[...]

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Pain of Salvation, Scarsick (2007): Kingdom of Loss

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Syriana (2005)

Lembro de como tive vontade de assistir Syriana - A Indústria do Petróleo tão logo li a sinopse. CIA, maquinações políticas ianques e todo o jogo de interesses acerca do petróleo alheio. Pois o maldito chegou e saiu sem deixar rastros, deve ter ficado uns dois dias em cartaz por aqui. (Figurativamente, lógico... nem sei se alguém se deu ao trabalho de pendurar o cartaz.) Usando uma de minhas superhabilidades mais famosas, esqueci o filme poucas semanas depois e sequer vi quando chegou às locadoras. Assisti hoje, na HBO. Todos amamos a HBO. Levantem, palmas para a HBO! Good.

Como é bom esperar tanto tempo por uma coisa e saborear a satisfação de alcançá-la! Não é o caso aqui: Syriana é uma merda*. A impressão que tive é que o grande objetivo do filme foi fazer um apanhado de todas as características do Oriente Médio que o público ocidental acharia peculiares e criar um cirquinho costurado com uma história rabiscada num guardanapo de bar. Todos os "fatos" são óbvios e superficiais. Toda a "trama" se baseia na manjada fórmula de apresentar personagens/situações aparentemente desconexos e surpreender o espectador no final. Com uma pequena inovação: no final, personagens/situações permanecem desconexos, salvo uma ou outra intersecção irrelevante que não diz nada. "Ah, eles quiseram dizer que tudo está interligado, que a responsabilidade é partilhada!" Não quiseram não.

O grande mérito do filme é o Oscar de melhor ator coadjuvante conferido ao Batman. Certamente a academia estava com poucas opções nessa categoria em 2005, até porque o Plantão Médico ganhou o prêmio mesmo sendo protagonista. Ele não atuou mal, vá lá; foi bastante correto. Mas isso também pode ser dito do Talentoso Ripley e do outro guri que ainda não fez personagens o bastante para ganhar um apelido.

Por ser tão básico em seu tratamento do assunto, o filme serviria no máximo como obra didática introdutória para exibição em escolas. Falharia em capturar a atenção dos estudantes, porém, uma vez que é longo, chato e não tem cenas de sexo. Não tem sequer insinuações de sexo. O mais próximo que chega disso são dois caras jogando futebol num campo de areia, conversando sobre o Homem-Aranha. Não me entendam mal, isso é até um ponto positivo quando quase qualquer outro filme precisa ter cenas de sexo, invariavelmente: (1) idealizado se vem da grande indústria, (2) visceral se independente. Estava apenas lembrando do que me fazia prestar atenção a um filme quando estava na escola.

* Haha! Estou rindo porque imaginei que o Hique estará rindo exatamente nesta parte. Ok, o filme não é tão ruim; é que não quis desperdiçar o efeito dramático da frase.

domingo, 15 de julho de 2007

Gagá

Comprei uma dessas lasanhas para quem não sabe o que fazer. Dessas que basta pôr no forno; coloquei às 19:30.

Às 20:30 estava pronta. Tirei do forno e fui comer em frente à TV. Estava passando aquele filme sobre o Larry Flint com aquele ator moderadamente legal. Às 22:00 começou Celebrity Poker Showdown, às 22:30 fui à cozinha pegar um café.

Foi aí que lembrei de desligar o forno.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Estranhos perigos

Roberto: Oi! Boa noite! Não abra o portão, não chega muito perto ainda, eu posso ser um ladrão!

Michel: ?

Roberto: Posso falar contigo? Olha, eu moro no sul da ilha, se quiser eu te dou referências, sem problemas. Eu te dou o número da minha casa, tu podes ligar e confirmar tudo...

Michel: Pois não? Do que você precisa?

Roberto: É rapidinho, viu? Eu vou te explicar. Eu estava viajando, peguei carona com um caminhoneiro, ele me deixou ali na BR. Olha, eu sei que é muito chato mesmo, se tu não quiseres me ajudar, tudo bem, eu vou entender, só não me manda embora ainda...

Michel: Tem como encurtar um pouco a história?

Roberto: Pois é, eu estava vindo lá de Curitiba, desde lá sem dinheiro, e...

Nessa hora, apontei no sentido da rua.

Roberto: Não, calma, é rapidinho!

Michel: Você se importa de me contar a história caminhando?

E andamos em direção ao ponto de ônibus. Desde o começo não achei que ele fosse um ladrão; estava mais bem vestido do que eu costumo me apresentar ao trabalho. E também era mais eloqüente do que eu sou no trabalho. E ele era igualzinho ao comandante Tucker da Enterprise. Como alguém poderia parecer mais confiável do que isso?

No caminho, ele elucidou alguns detalhes de sua vida que, sinceramente, não consigo imaginar porque alguém contaria a estranhos. O pai dele foi assassinado há dois anos pela madrasta, se lembro direito, para evitar que ele passasse alguns bens para o nome de outra pessoa. Algo assim. O Roberto foi intimado a testemunhar mas não compareceu; assim, a justiça expediu um mandado de prisão preventiva para tomar o testemunho na marra. "Eles te prendem de qualquer jeito, sabe? Mesmo que tu não tenhas cometido crime. Até esclarecer e resolver tudo dá trabalho." Talvez ele estivesse tentando justificar porque não tinha um trabalho no momento, mas ei! Relaxa. Quando estou tentando convencer alguém de que não sou ladrão, eu também começo a falar sobre os assassinatos em que minha família se envolveu e sobre o meu histórico com a polícia.

Ofereci uma nota de cinco.

Roberto: Olha, R$ 4,20 é tudo que eu preciso pra chegar em casa. Me empresta o bastante para ir até o Centro, lá eu me viro.

Michel: Relaxa.

Eu não estava com saco de contar moeda no escuro, e queria me despedir logo para pegar o mercado ainda aberto. Já me imaginei algumas vezes nessa situação: estar em um lugar que não faço muita idéia de onde fica, sem dinheiro ou telefone. O caso dele era um pouco pior, pois passava de dez da noite. A primeira coisa que me contou quando começamos a caminhar foi que 'o meu vizinho lá adiante' o havia maltratado como se fosse o cão e ameaçou chamar a polícia, por isso começou falando comigo daquele jeito. Imagina, chamar a polícia para levar o comandante Tucker!

Enfim, era o tipo de situação em que eu odiaria mortalmente estar, então nem hesitei em dar o dinheiro. Mas, pela reação, é possível que o dinheiro em si tivesse tanto valor quanto a própria disposição em ajudar. Cinco reais não é muito dinheiro. Digo: R$ 4,20 para chegar em casa de ônibus certamente é um roubo; I blame The Eye of Angela and the Darionopolis Project for that. Mas ele falava como se o mais improvável de tudo fosse conseguir todo o dinheiro necessário de uma pessoa só.

Roberto: Sabes onde fica o Espetinho de Ouro, em Barreiros? [Sei lá se era esse mesmo o nome.]

Michel: Não muito.

Roberto: É que... eu vou estar lá no dia 15 agora, fazendo um bico. Se tu quiseres aparecer lá, eu te devolvo esse dinheiro.

Michel: Relaxa, não esquenta não.

Roberto: Ou eu posso levar na tua casa depois, eu sei onde tu moras.

Foi exatamente nesse momento que minha espinha gelou. Alguém estava dizendo que queria ir à minha casa. Peraí. Eu confiei em você, eu te ajudei, você não tem nenhum motivo para ameaçar ir à minha casa! Odeio gente na minha casa, odeio parentes na minha casa. Só aceito pessoas realmente próximas lá. E certamente, com convite.

Michel: Cara, RELAXA, não precisa. [No total, eu devo tê-lo mandado relaxar umas quatro vezes em três minutos de conversa.]

Fiz menção de que tinha que ir. Ele apertou a minha mão com vontade e agradeceu. Mostrei a ele onde ficava o ponto de ônibus e corri em direção ao mercado. Temi que ele estivesse pensando em virar meu amigo.