quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Problema seu

Não sei pedir ajuda. Se um problema aparece, eu me viro. Fui criado assim.

Quando era molequinho, nunca havia dinheiro sobrando para nada. Nunca tive brinquedos legais. E não ajudava nada que meus amigos tivessem brinquedos legais. Eu podia brincar, mas não eram meus. (E não ia pedir que me emprestassem, eram deles por algum motivo. Provavelmente era eu quem estava fazendo algo errado para acabar sem brinquedos legais.) Mas era um molequinho e, com ou sem brinquedos legais, eu tinha que brincar. E improvisar. Muito. Qualquer coisa desmontável era rearranjada na marra com partes de outras coisas desmontáveis. Se algum objeto parecesse vagamente com uma espaçonave (e havia um aposento cheio delas: ferramentas, acessórios, peças, tesouros), blim! Brinquedo. Frasco engraçado? Brinquedo. Carrinho velho quebrou? Dois brinquedos novos. Muito do meu entusiasmo por engenharia, física, encaixes, relações, estruturas, moléculas e tudo mais, trago dessa época. Por necessidade. Eu lia muito para entender como as coisas funcionavam. Qualquer coisa. (Viu? Eu tinha livros, não era de todo ruim. Seja qual for o dano irreversível que a falta de brinquedos legais na infância possa causar à psique humana, livros devem compensar pelo menos um pouquinho. De fato, não estou reclamando, não acabei tão estragado assim. Digo, por favor: eu sou totalmente capaz de fingir que sou normal.)

Também não havia lá muito dinheiro sobrando para médicos, então era sempre boa idéia evitar doenças e fraturas. Até hoje, sempre que aparece uma dor nova, minha providência imediata é esperar pacientemente até que desapareça. Não apenas pelo custo das consultas; vários diagnósticos longe de corretos durante a infância não contribuíram muito para minha confiança em médicos. [Esqueci de dizer: meu pai tinha dois escorpiões conservados dentro de um vidro, e era tão legal porque ninguém mais tinha. Mas eu não podia brincar com eles.] Nem comecem a dizer que isso é perigoso e que eu posso estar criando um aneurisma ou algo assim sem saber. Você não vê ninjas ou piratas andando poraí se preocupando com aneurismas; eles conseguiram se virar muito bem até hoje, com vidas longas e saudáveis. Ou morrendo de forma rápida e violenta — qualquer uma das duas opções está ótimo pra mim.

Mas não é nada disso que eu quero dizer. De certa forma, estou enrolando vocês por dois parágrafos. O que realmente quero dizer é: não sei pedir ajuda. [Ah, ótimo, o mesmo que já falou no começo; com este, são três parágrafos de enrolação.]

Minha cabeça está programada assim: se um problema aparece, resolva sozinho; se não conseguir, enterre. Mas nem tudo dá para enterrar ou abafar, e só comecei a perceber isso quando deixei de pensar como criança (ou seja, uns dois anos atrás). Talvez, se eu precisar de alguma coisa, possa simplesmente pedir ajuda a alguém. É um conceito muito novo e fascinante, devo dizer. Se realmente funcionar, há boas chances de que esse sistema resolva vários problemas da humanidade. Como quando as pessoas não conseguem fazer as coisas sozinhas.

Mas como se faz? Como se pede ajuda? Sempre que eu tento, as pessoas não levam muito a sério. Talvez esteja esquecendo alguma parte importante. Tenho que dizer uma senha? Usar algum sinal especial? Achei que bastava dizer "Olá, tem uma coisa me incomodando, sabe, provavelmente este tubarão mordendo o meu pé", mas não tem funcionado. Em todo caso, estou quase certo que "rs" seguido de "ei, já viu isso aqui? [link]" significa realmente "Vire-se". (Cara a cara ou por telefone, as pessoas não costumam rir ou recorrer aos links, mas acabam dizendo algo com o mesmo efeito.) Certamente tenho várias manias estranhas, mas achei que era padrão tentar ajudar as pessoas com seus problemas. Ao menos, ouvir sobre eles. Talvez não seja óbvio que algo banal para uns seja um obstáculo para outros. Ou, talvez, essa história de pedir ajuda seja mais uma coisa que você tem que aprender a viver sem.

Pois prestem atenção: se algum dia estiverem perdidos em uma ilha deserta sem brinquedos legais, VIREM-SE. Eu que não vou ajudar vocês.

2 comentários:

Nine disse...

Nossa a produçao aqui aumentou muito!Bom aos fatos,fui criada exatamente ao contrario ,com 3 irmaos e pai que me ajudavam em tudo e depois marido.Agora ha 7 meses sou obrigada a me virar sozinha.Esta sendo dureza,mas cada vez que eu consigo ,fico feliz .Até expulsar do meu ap uma mariposa intrometida a noite!ab

Michel disse...

Não dá pra engolir essa história de "toda a Criação é perfeita" quando você pára pra pensar nos insetos.