segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Costumes

Sinto falta de fazer mais coisas cercado de gente. Especialmente coisas que causam vontade de comentar: ver filmes, ouvir música, fingir que cozinho. Mesmo que eu não comente, gosto de ouvir os comentários dos outros.

Se ainda almoçasse sozinho, como fazia até poucos meses atrás, teria perdido os comentários de hoje. TV ligada no telejornal, mostrando um breve resumo do que foi a Parada da Diversidade na Beira Mar: basicamente, pessoas reclamando que isso atrapalhou o trânsito e dificultou o acesso às praias. Como eu não gosto de praia, fodam-se! =D Deixem os coloridos pararem tudo por um domingo, vocês têm outros 51 para aproveitar (azar o seu se não fizer sol e calor em todos). Mas curioso mesmo foi a reação de todos no restaurante quando, após algumas cenas do evento, dois caras se beijaram na frente da câmera. Houve todo aquele movimento sincronizado de espinhas contraindo e "uis" de nojo. Eu quase comentei distraído "Pára, gente, isso aí é normal"; naturalmente, não é tão tentador defender o direito de cada um seguir seu rumo quando você está cercado de peões e dondocas. (Parando para pensar, é estranho que um lugar reúna esses dois espécimes simultaneamente.)

Foi a primeira vez que me dei conta de que acho normal. Creio que acostumei – por superexposição, mesmo. De ver em filmes, e em festas com pessoas estranhas, e de tanto me dizerem que é normal. Parece normal. Não que não devesse parecer normal, sei lá. Ou talvez não devesse. Enfim. Não fui criado para achar normal, e agora acho. Não necessariamente bom ou desejável; apenas normal, como a violência urbana, a alternância dos movimentos artísticos ou o desencanto pela política. Talvez parte do objetivo da parada seja justamente essa superexposição, obrigar as pessoas a ver o negócio de perto até que comecem a achar normal (ou tolerável, o que já seria bastante coisa em muitos casos).

Tudo bem que, vendo dois caras se agarrando ao vivo, ainda é difícil conter um certo asco, mais ou menos como ao ver alguém mordendo uma cebola. Mas eu aceito a idéia de um mundo onde as pessoas sejam livres para morder cebolas.

Em tempo: às vezes me pego lendo coisas como essa e imaginando se chegaremos ao ponto em que tudo seja "normal".

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu acho que se há um "erro", ele vem da acomodação em dois sentidos inversos mas os mesmos:
1) achar que o que não é "explicável" é do capeta (isso é antigo...o mais antigo aliás);
2) Achar que tudo que não é explicável é "normal", ou seja, "natural".

A questão é que mitifica-se as coisas, despojando-a de sua história e passando-a como algo natural/normal.

Um é antigo, o outro mais recente. No fundo, são caminhos diferentes para o mesmo objetivo. E por que acomodação? pois é muito mais fácil acreditar no mito do que abrir a cabeça e pensar.

(não quero dizer que ser isso ou aquilo é errado. Só não acho que seja, tbm, o 100% "correto", como querem fixar em nossa mente, entende? O que passam hj como natural é fruto da tal "exposição" que vc abordou. E é só por causa disso.
Agora, uma opinião pessoal, pq eu tô afim de dar mesmo - sem querer apontar o dedo ou dizer que isso é errado. Apenas refletindo: parei para observar a nossa natureza humana - o corpo - e....sei não, viu. Mas acho que está tudo bem claro ali.)

Anônimo disse...

cercado de peões e dondocas. (Parando para pensar, é estranho que um lugar reúna esses dois espécimes simultaneamente.)

nem tanto! você se formou em um ambiente cercado por pedreiros e dondocas (e muito mais, obviamente), oras =D

Michel disse...

Eu pensava assim durante um tempo, Sarah, e parecia até óbvio demais para ignorar. Independente de toda a variedade humana, algumas coisas são universais e claras. Homem e mulher se complementam em vários aspectos. Faz parte da nossa espécie, tanto a parte física quanto a psicológica (e eventuais outras partes que eu possa estar neglicenciando); é biológico, não depende de plano divino nem de cultura. Assim como é latente a tendência dos fortes dominarem os fracos. Nada mais lógico que bater em crianças, por exemplo, que são fracas e incômodas. Por que não usar a força? Especialmente contra as que não têm pais para defendê-las: elas não revidam e ninguém se importa o bastante para revidar em seu lugar.

Órgãos genitais são feitos para encaixar um no outro, é a função deles. Não dá para ignorar a função das coisas. Boca. Boca serve para comer, basicamente. E fazer os sons tão necessários para reforçar a dominação dos fortes sobre os fracos. Boca não foi feita para beijar – nem tem formato certo para encaixar em outra. O nariz logo em cima já denuncia que duas cabeças humanas não deveriam se aproximar tanto assim, de frente. Braço também, braço permite que a mão tenha mais desenvoltura para fazer suas coisas. Como procurar pontos de apoio para uma escalada e atirar pedras (e para a prática do esporte subseqüente: boliche). Braço não tem nada que dar abraço. Braço tem que ajudar a carregar coisas grandes. Ou você carrega as pessoas ou larga. Não largou é abraço, e gasto desnecessário de energia.

Percebe aonde quero chegar? É justamente essa aparente afronta a tudo que é óbvio e biológico que faz as pessoas valerem a pena. O grande charme dos humanos é negarem a natureza e distanciarem-se do que é trivial e automático. Rebelar-se e alterar tudo à volta faz parte da essência humana, ao ponto que não seria natural negar esses impulsos. Por um lado isso é ruim, pois pode levar à nossa própria ruína, como o desequilíbrio da biosfera demonstra. O lado bom é que as pessoas, a sociedade, contestam por natureza. Tudo. Em busca de novos caminhos. E por que não contestariam a si mesmas?

(Agora, por favor, ignore que eu escrevi tudo isso de um modo babaca.)

Michel disse...

nem tanto! você se formou em um ambiente cercado por pedreiros e dondocas (e muito mais, obviamente), oras =D [DuCuducos]

Eu li distraído sem ver o nome, achei que a Sarah tinha postado duas vezes. Já ia ter um chilique do tipo "Como você vem me falar do CEV assim?"

Já que foi você quem escreveu, é bem isso mesmo. =D Não há o que esconder.

Mas estava falando do restaurante. Eu, ao menos, não estava acostumado a um lugar onde peões de uniforme esfarrapado e coberto de graxa comem ao lado de meninas com celulares de R$ 2.000,00. É algo muito bonito: a avassaladora inexistência de restaurantes na Wasteland (aka Continente) unindo pessoas.

Bom, acho que exagerei, eles não devem custar R$ 2.000,00.