terça-feira, 28 de agosto de 2007

Inflamável

Às vezes eu explodo, mas raramente. Pouca gente sabe, pouca gente viu. Passei todos os anos de faculdade sem nenhuma ocorrência, então quem me conhece dessa época não sabe. Ao menos, não viu. Nos tempos de escola técnica, era mais impulsivo, mais explosivo. Achei que isso estava indo embora, mas já não sei mais. E essa é a minha justificativa: eu sou assim.

Sentia-me ótimo na segunda-feira. O domingo foi preguiçoso; na noite de sexta, havia me divertido com amigos. (Não lembro do sábado, mas lembrar dois de três dias já é lucro.) Era uma segunda-feira de bom humor. Era uma segunda-feira depois de dois anos de aporrinhações, porém – não que isso faça parecer menos inadequado, agora. Dois anos de pessoas cobrando de mim o que elas mesmas deveriam estar fazendo, dois anos me sentindo metade bode espiatório, metade soldado desconhecido. Dois anos sendo o único que nunca tinha tempo livre para bater papo – ou descansar os braços, talvez? Dois anos em que metade das pessoas me procuraram querendo soluções ou respostas que não me cabiam, e tendo que me entender com a outra metade sempre que cedia à primeira. Olhando o cenário geral, não era uma segunda-feira tão boa, afinal. Essa é mais ou menos a minha desculpa.

Lá estava eu, quietinho. Não calado, engraçadinho até; estava de bom humor. Vieram me pedir uma solução. Coisas precisavam ser feitas, e alguém tinha que dar o primeiro empurrãozinho. "Não eu, você sabe a quem cabe isso." Mas a pessoa não estava lá. Que mal faria se eu decidisse por ela? "Eu não tenho autoridade, não tenho autonomia para isso." Não era grande coisa, só era necessário dar uma resposta. "Não posso, não sei! Você sabe a quem perguntar!" Mas a pessoa não estava lá. "PORRA, façam! Façam essa merda, façam o que quiserem! Eu não ligo! Mas paguem do seu dinheiro se der errado, lasquem os ouvidos vocês, depois! Por que me envolver nisso? Não sou gerente, não sou supervisor, eu sou a porra de um empregado low-level; se o gerente não sabe o que fazer, não sou eu quem vai saber!"

Em minha defesa, tive a delicadeza de explodir em tom moderado, para não alarmar os clientes na reunião ao lado. Ainda assim, alarmei o interlocutor; ficou sem muita reação, depois disse que eu estava louco. Eu sou louco, todo eles são. Só porque nunca havia explodido, não deveriam supor que nunca aconteceria. E explodiria de novo se fosse preciso, pois dois minutos depois meu humor estava renovado. Acho que é o único comportamento errático que me permito: descarregar a pressão interna nos outros e depois agir como se nada tivesse ocorrido. Eu gosto de explodir, e justamente por isso venho me policiando há anos. É como um vício que você tenta domar.

Dei-me conta de que havia agido de modo descabido quando reencontrei essa pessoa pouco depois. É justamente meu melhor amigo lá dentro, um dos que estiveram comigo na sexta-feira anterior. Não me olhava nos olhos; quando muito, olhava vagamente na minha direção. E eu não sou o tipo de pessoa que intimida olhares alheios, sou sempre o primeiro a evitar o contato. E ele é justamente o tipo de pessoa que intimida e vasculha a sua alma até você ceder, mas claramente não fazia idéia do que estava acontecendo agora. Não sei se ele estava envergonhado ou furioso ou magoado; não sei vasculhar almas.

Pedi-lhe desculpas depois, mas sou realmente terrível para me desculpar. Não gosto, não sei; causa-me agonia pensar no que dizer. Não por orgulho, simplesmente não sei medir essas coisas. Não consigo perceber se estou exagerando ou se estou subestimando os sentimentos dos outros. Acabo sempre agindo como se tivesse cometido um erro mortal – e como se pede desculpas por isso? Fui adestrado para não errar, e principalmente para não errar de forma tão grosseira.

Ninguém pode ser tão incapaz? Pois comecei assim: "Não vou te pedir desculpas pelas coisas que disse, mas você não merece que eu fale do jeito que falei." Digam-me, que desgraça foi essa? No lugar dele, eu teria devolvido um soco; ele foi educado o bastante para fingir que o pedido era suficiente. Eu queria realmente dizer tudo o que havia dito antes, e vou recusar exploração daqui em diante, mas eu disse para a pessoa errada. Ele não é o problema, é justamente uma das pessoas que tornam o lugar suportável. Eu estava fazendo várias coisas que não se faz a um amigo; pelo resto do dia, era eu quem não conseguia olhar diretamente. Estou cada vez mais convencido que não sei lidar com mais de uma pessoa de cada vez, correndo o risco de misturar as coisas.

Hoje ele estava agindo como se nada tivesse acontecido. Eu deveria tentar me explicar, mas não sei como. Vou acabar fingindo que nada aconteceu e que tudo se resolveu sozinho. Justamente o que odeio que façam comigo; as coisas nunca se resolvem sozinhas.

6 comentários:

Anônimo disse...

Michel, por mais idiota que pareça esse comentário, gostaria de lhe agradecer por ser legal comigo. Toma um pouco de carinho para vc ----------> (o).
Até!

Michel disse...

Você também é legal, Sarah, não precisa agradecer. Mas o carinho é muito bem-vindo!

Eu gosto de você, mesmo sem conhecer direito. Por mais idiota que isso possa parecer.

Anônimo disse...

huHUahuHuaHU...low level...

Ahhh... po Michel... sua explosão é nada! =) De qualquer forma, acho que devíamos fazer outra faculdade, já que ficou imune durante aqueles anos todos.

Mas po, quando eu explodo... é A Nível De "filha da puta"... É taco de beisebol no móvel do meu quarto (as cicatrizes inclusive permanecem).

Só a Cassi que tem o péssimo hábito de tentar me mudar e me transformar num sujeito decente =) Caramba! Não se pode mais ser um maníaco explosivo e violento, não?!?!

"Pedi-lhe desculpas depois, mas sou realmente terrível para me desculpar"

uhUHahuHUahuhuaHU... imagino

Seria muito divertido você se desculpando por passar a mão em uma garota ou coisa do genero. "Me desculpe a falta de razão e controle, mas sua bunda é excessivamente deliciosa e gostaria muito de levá-la para cama... de preferência com o resto de você. É possível?" "SOOOC!!!!"

huHUahuHUahuHUaHUauhhu

Felizmente você não é tão mau-caráter...

Mas enfim... explosões (mais no meu nível) são o motivo pelo qual NÃO deveria ser permitido o porte de arma... :) Mas você e seus amigos peblicitistas permitiram... humpf. Depois não reclame se um cidadão de bem como eu saia dando tiro em você e todo mundo :)

Michel disse...

Obrigado pelo "não tão mau-caráter", é bom saber que meu mau-caráter está dentro dos limites aceitáveis.

E que negócio é esse de pleb... peblicista? Está me chamando de plebe peemedebista publicitária, é isso?

Anônimo disse...

E ainda responde todos os comentários! Delícia de blog, mocinho.

Michel disse...

=]

Um dos seus terei que deixar sem resposta, para não desmentir minha afirmação de que não consigo responder todos.